quarta-feira, 22 de junho de 2011

Um balão remendado



Do alpendre da casa, ouvíamos os fogos de artifício na cidadezinha próxima, anunciando o final das novenas do mês de maio.
Enquanto os adultos contavam fatos de  suas vidas esquecidas no sertão do Pajeú, eu me deliciava contando as estrelas:
_ Mãe, já contei mais de cem estrelas...
_Deixa disso, menina. Vais ficar com verrugas.
De repente, todos nós ficamos mudos de espanto. Alguma coisa vinha em nossa direção. O que seria? Estrela, disco-voador, “visagem”? Nada mais que um balão. Descendo! Vagarosamente.
Meu irmão, ágil e decidido, corre a tempo de segurar o balão, apagar o pavio e trazê-lo como um troféu, orgulhoso de tal façanha.
Penduramos o balão nos caibros rústicos da sala. Arranjamos papel e o remendamos de mil cores, indiferentes à estética. Afinal, o que contava mesmo era o balão.
Na noite de S. Joâo, com fogueira, cantigas de roda , e ao som da sanfona, o  nosso balão subia pela segunda vez para competir com as estrelas.
Ainda hoje, passados os anos, os balões exercem uma estranha magia sobre minha pessoa. E como aquele, a minha vida está cheia de remendos. Coloridos alguns. Outros sem cor. Já não conto as estrelas. Já não tenho balão, e nem sei onde se escondeu S. João...
Noite fria de inverno.
Céu escuro. Sem estrelas.
Os balões fora proibidos! A felicidade também...

Esta crônica ganhou hoje  a sua maioridade ( 21 anos). Foi escrita em junho de 1989. O acontecimento é real e povoa o imaginário da blogueira de 72 anos.
Fica aqui a minha homenagem para a maior e mais significativa festa do povo nordestino. Que haja sempre a alegria espontânea das festas juninas para as famílias sertanejas.
 Tabira, 22/06/2011, Dulce Lima

4 comentários:

irmascordeiro disse...

Eu já soltei um balão e senti uma magia neste ato. Hoje tenho consciência dos riscos, mas que é lindo é!!!Mariana

Anônimo disse...

Mamãe, essa é uma das crônicas suas que mais gosto.
Chego a ver meu tio correndo para pegar o balão antes que ele caísse no rio.Muito significativo...
Bom São João1
Beijos
Mônica

Andreia Miron disse...

Mais uma de suas lindas crônicas, Dulce!

E apesar da desilusão, da realidade cruel dos dias atuais, esta linda história nos leva às fogueiras da infância, à beleza da celebração das festas juninas tão ingênuas do nosso passado.

Lindo!

Abraço, Andreia Miron

Daniele Melo disse...

Parece ate que estou de volta a minha casa ao ler cronicas como esta....saudades...